AD Sense assíncrono

As contradições da vida. Uns querem e não conseguem, outros têm e não cuidam.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010


By Telma M.
A televisão, algumas vezes, conta histórias que chocam a nossa sensibilidade. É o caso desta crônica que mostra a ironia da vida: um policial se emociona ao ver a situação de abandono de duas crianças, quando ele próprio sonha ter filhos sem conseguir...
A casa era um simples barraco feito de pedaços de madeira e papelão, pendurada na encosta do morro do Borel.  A porta do barraco não passava de caixas de papelão apoiadas por uma viga fechando uma abertura de pouco mais de um metro e meio de altura. Havia um pedaço de pano vermelho balançando ao vento, servindo de sofisticada cortina para a outra abertura, que devia ser uma janela estilizada, já que não tinha nem tamanho nem forma de janela. Lá dentro dava para ver pouco. Estava escuro devido ao contraste com a extrema claridade do exterior.
 
O som que vinha de dentro era o choro angustiado de um bebê.
O som que vinha de fora era a cantoria irritante de uma menina que bem poderia ser loira, mas também poderia ser morena, já que não era possível saber. Seu cabelo estava em completo desalinho, sua pele estava imunda, o que de certa maneira explicava a confusão em decidir se a pele dela era branca ou negra. Aliás, era difícil saber se era menina ou menino. Sabe-se que era uma criança beirando os cinco anos de idade, barriga protuberante, vestindo apenas uma calça curta com uma ligeira lembrança da cor azul. Ela brincava numa bacia de água suja e fedida enquanto cantarolava sua cantiga indecifrável, talvez uma canção popular.
 
Lá dentro o irmão berrava a ponto de incomodar o vizinho, que cansado de gritar para que alguém tomasse alguma providência resolveu ligar para a polícia. Ele estava preocupado, pois vira a vizinha sair de casa largando os dois filhos sozinhos e o pequeno estava chorando havia horas.
Na delegacia, o atendente anotou o endereço, a ocorrência e passou para o capitão, que tomou as providências para atender o caso.
Escalou para ir ao morro do Borel a única opção que tinha no momento: o novato guarda Inácio e o guarda Lima que estava meio surdo após quase ser acertado por um tiro a queima roupa no dia anterior.
 
Os dois policiais foram atender ao chamado. Chegaram à residência às seis horas da tarde. A criança continuava brincando na água suja da bacia, agora já dava para ver que era branca; o bebê ainda chorava, um choro fraco que quase não se ouvia.
O vizinho estava no portão e foi logo dizendo que as crianças estavam sozinhas desde a noite anterior. Ele havia visto a mãe sair de mini saia e sandália de salto alto, desequilibrando no calçamento irregular da rua. Foi para a gandaia,disse ele, ela sempre faz isso.
O guarda Inácio perguntou do pai das crianças e o vizinho respondeu que a moça morava sozinha com os dois filhos.
Falou ainda que a moça tinha uns vinte anos e havia perdido a mãe há  poucos meses por causa de um tiro perdido. Ela aparecera grávida, e não se sabia quem era o pai do bebê. O pai da menina mais velha também era desconhecido, mas era outro diferente, pois as crianças não tinham nada em comum: uma loira, outra negra.
 
Os policiais descobriram que a moça batia muito nas crianças e que já tinha até queimado a cabeça da mais velha com o ferro de passar; que ela dava bebida alcoólica para o bebê dormir e que as crianças viviam no meio do lixo comendo porcarias junto com os ratos.
O guarda Inácio entrou na casa e ficou com as pernas bambas ao ver o bebê chorando um chorinho frágil, quase desistindo de viver.
Ele pegou o bebê no colo e começou a chorar.
Sua esposa estava fazendo um tratamento para engravidar, fazia dez anos que eles tentavam ter um bebê e não havia meios de conseguir. Olhou para a menina mais velha e deu um soluço. O fedor que vinha das crianças dava náuseas. Ele se lembrou do cheiro bom da farda que a sua esposa lavava e passava com carinho, se lembrou do cheiro bom de bife acebolado quando chegava em casa à noite...
 
A mulher do guarda Inácio trabalhava em dois empregos: fazia faxina numa casa de família até o meio dia e depois ajudava o padre limpando a sacristia da igreja do bairro. Ainda tinha ânimo de manter a casa em ordem e nunca abandonava o sonho de ter um filho.
E aquelas duas crianças abandonadas... A mãe tinha que ir para a gandaia todas as noites!!!
Essa foi uma história verdadeira que vi na televisão, numa reportagem qualquer sobre  violência urbana. Não sei qual foi o desfecho da história, mas sei que o guarda, que certamente não se chamava Inácio, queria muito levar as crianças para casa e adotá-las.
Tenho certeza que todos seriam felizes para sempre se o juiz da infância e juventude permitisse.
Resumo: exemplo de violência doméstica, problema social, caso de crianças abandonadas

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3 comentários:

  1. Oi, Telma

    Uma história triste e escrita numa narrativa que nos prende até o final. Pena não sabermos se teremos um "final feliz". Sou pai de 5 filhos e estou no segundo e último casamento. Minha única filha faz um ano dentro de 10 dias. É revoltante vermos tanta paternidade irresponsável. Eu assumi a guarda dos meus filhos e há 10 anos sou pai e mãe deles. Ser pai e mãe é uma dádiva de Deus. Parabéns pelo post.

    Herval

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  2. Parabéns a você por ter amor de sobra para seus filhos e sabe-se lá quem mais... Amor nunca é demais,não é?

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  3. A safada da "mãe" deles foi presa?

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